Lógica de Primeira Ordem - Introdução
Lógica cuja linguagem nos permite considerar o "interior" (ao qual não podemos aceder) das proposições. As proposições elementares deixam de ser um todo e passam a ter uma estrutura, na qual podem existir constantes, variáveis e funções. Contém dois símbolos adicionais em relação à lógica proposicional, os quantificadores existencial e universal, que já conhecemos da matemática: e , respetivamente.
Componentes da linguagem
A linguagem abordada nesta secção é constituída por algumas componentes novas, diferentes das da lógica proposicional.
Variáveis
Símbolos que desempenham o papel de designações (sem ser propriamente designações). A noção de variável está associada ao conceito de função à frente apresentado, mais concretamente ao seu domínio - uma variável pode tomar todos os valores do domínio de uma dada função, no contexto dessa função. Só por si não correspondem a entidades.
Funções
No contexto estudado, corresponde a um conjunto de pares ordenados, potencialmente infinito, que não contém dois pares distintos com o mesmo primeiro elemento - não existe aqui "não determinismo", mapear uma função a um dado valor corresponde sempre ao mesmo resultado. Tal como na matemática, as funções têm um domínio (conjunto de todos os primeiros elementos dos pares) e um contradomínio (segundos elementos dos pares). Recebem um elemento do domínio, o argumento da função, e calculam o elemento correspondente do contradomínio, o valor da função. Sendo que correspondem a transformações, podemos utilizar funções para descrever entidades.
A aridade de uma função corresponde à quantidade de argumentos que esta recebe. Uma função de aridade 0 diz-se uma constante, claro.
Apesar de usualmente irmos estudar funções que recebem um argumento - que formam pares ordenados - é importante realçar que essa não é a única aridade possível de uma função. De um modo geral, em vez de consideramos que funções são conjuntos de pares ordenados, consideramo-las sim conjuntos de tuplos ordenados. Uma função que recebe argumentos é um conjunto de tuplos ordenados que não contém 2 tuplos com os mesmos primeiros elementos!
A expressão designatória de uma função pode ser, por exemplo:
Exemplos de conjuntos de pares ordenados que correspondem a "aplicações" das funções acima são, respetivamente:
Relações
Servem para representar qualquer relação (passo a redundância) entre elementos de conjuntos. Não são funções, visto que um primeiro elemento pode estar associado a mais que um segundo elemento. É usualmente definida através da especificação dos conjuntos aos quais os primeiro e segundo elementos pertencem, juntamente com uma expressão proposicional que faz uma afirmação sobre a sua relação. Relações com apenas um argumento também se chamam classes ou propriedades.
Exemplo - Relação
A relação correspondendo ao conjunto dos países que partilham fronteira terrestre podia ter, por exemplo:
Como podemos observar, Espanha é primeiro elemento duas vezes, pelo que não podemos estar na presença de uma função!
Esta relação pode ser definida tal que:
onde tem fronteira terrestre com é a tal expressão designatória.
Alfabeto básico da linguagem
-
Símbolos de pontuação: , ( ) [ ]
-
Símbolos lógicos:
- , que corresponde à negação;
- , que corresponde à conjunção;
- , que corresponde à disjunção inclusiva, vulgo OR;
- , que corresponde à implicação.
- , que corresponde ao quantificador existencial.
- que corresponde ao quantificador universal.
-
, para - funções de aridade . Funções com aridade (, portanto) são constantes. A i-gésima função diz-se com argumentos. Começam com letra minúscula.
-
, para - letras de predicado com aridade . Uma letra de predicado com argumentos representa uma relação -ária (por exemplo, a relação de fronteira entre 2 países é uma relação binária). Começam com letra maiúscula.
-
Variáveis individuais, , como as usuais .
Depois de apresentadas as principais componentes da linguagem da LPO, podemos então começar a falar dos seus termos, das suas fbfs, e daí prosseguir.
Termos
Correspondem às entidades sobre as quais queremos falar.
-
cada letra de constante é um termo;
-
cada variável é um termo;
-
se são termos, então a função que aceita esses argumentos é também um termo.
Um termo fechado/chão é um termo que não contém variáveis.
Exemplos de termos fechados seriam, por exemplo:
Enquanto que termos que aceitam variáveis poderiam ser:
Fórmulas bem formadas
O conceito de fórmula bem formada, fbf, é redefinido para a lógica de primeira ordem. Corresponde ao menor conjunto definido através das seguintes regras de formação:
-
se são termos, então o predicado que aceita esses argumentos é uma fbf, sendo que esta fbf é atómica;
-
Se é uma fbf, é também uma fbf; a conjunção, disjunção e implicação de fbfs é também uma fbf;
-
Se é uma fbf, então e são também fbfs.
Dizemos que uma fbf sem variáveis é chã.
Resta notar que, sempre que possível, tentamos abreviar uma sequência de quantificadores do mesmo tipo numa só ocorrência do mesmo - por exemplo, é igual a .
Exemplo - Fórmulas bem formadas
Apresenta-se, de seguida, um conjunto de fórmulas bem formadas. Note-se que os terceiro e quartos exemplos correspondem a fórmulas chãs!
Nas fbfs e , é o domínio do quantificador.
Diz-se que o quantificador liga a variável .
Uma ocorrência da variável diz-se ligada numa fbf caso esta ocorrência apareça
dentro do domínio do quantificador que a introduz. Caso contrário, a variável diz-se
livre. Uma fbf sem variáveis livres diz-se fechada - basta uma livre para não o ser.
Caso não ocorram quantificadores no âmbito da variável em questão (caso falemos de uma
relação, por exemplo), a variável é livre.
A título de exemplo, podemos dizer que a contém uma ocorrência livre de , em , e uma ocorrência ligada de , em .
Substituição
Conjunto finito de pares ordenados , em que cada é uma variável individual e cada é um termo. Numa substituição, todas as variáveis individuais são diferentes, e nenhuma variável individual é igual ao termo correspondente. Cada um dos pares é uma ligação.
Podem ser consideradas substituições, visto que todas as variáveis individuais são diferentes e não há termos iguais à variável associada:
Por outro lado, não podem ser substituições:
(visto que o termo está ligado à variável - iguais, não representando portanto uma substituição)
(visto que a variável individual aparece 2 vezes).
Existem dois casos especiais de substituições:
-
Substituição chã, caso nenhum dos termos contenha variáveis.
-
Substituição vazia, correspondendo ao conjunto vazio. Representada por .
A ideia subjacente ao conceito de substituição é que cada variável individual será substituída (lá está) pelo termo que lhe está associado. É aplicada substituindo todas as ocorrências livres de variáveis individuais pelo termo a elas associado. Qualquer ocorrência ligada de uma variável não pode ser substituída!
Escrevemos para indicar que a fbf tem como variáveis livres.
Exemplo - Aplicar uma substituição
Consideremos:
Como podemos observar, as ocorrências das variáveis individuais e são substituídas pelos termos a que estão ligados, sendo que todas as ocorrências dessas variáveis são ambas livres.
Aqui, só uma das ocorrências da variável é livre, e só nessa é que ocorre substituição. Ora, o facto da substituição não ocorrer sempre pode originar problemas futuros, abordados mais à frente.
Dizemos, finalmente, que temos em mãos um termo livre para uma variável numa fbf caso nenhuma ocorrência livre de em ocorra dentro do domínio de um quantificador em ordem (onde é uma variável em ). Um termo sem variáveis é, claro, sempre livre para qualquer variável em qualquer fbf. O termo é livre para na fbf , por exemplo, mas não o é na fbf .
Sistema dedutivo
O sistema dedutivo da Lógica de Primeira Ordem difere do da Lógica Proposicional no que às regras de inferência diz respeito. Todas as regras de inferência introduzidas anteriormente (conjunção, disjunção, negação, implicação) são aqui aplicáveis - iremos apenas adicionar regras de inferência adicionais, sobre os quantificadores introduzidos pela LPO.
Regras para o quantificador universal
Introdução do quantificador universal
Abreviada por , pode ser utilizada quando uma propriedade arbitrária, , for provada para Utilizamos, para tal, uma técnica semelhante à regra da introdução da implicação, criando um novo "contexto" no qual aparece um novo termo, que nunca apareceu na prova, e tentamos provar que esse termo arbitrário tem essa propriedade. A regra afirma, portanto, que se numa prova iniciada pela introdução da variável pudermos derivar a fbf , então podemos escrever , precisamente porque o termo introduzido é arbitrário!
Resta notar que aqui não estamos a trabalhar diretamente com as usuais provas hipotéticas, mas com um contexto iniciado por um qualquer termo (podemos, contudo, iniciar provas hipotéticas dentro desse contexto sem qualquer problema). A sua apresentação é também diferente, tal como pode ser observado acima.
Eliminação do quantificador Universal
Abreviada por , indica que a partir de podemos inferir , onde é qualquer termo.
Recorrendo às duas regras descritas acima, conseguimos agora provar o argumento
Note-se que há mais que uma maneira de fazer esta prova!
Regras para o quantificador existencial
Introdução do quantificador existencial
Abreviada por , afirma que a partir de uma propriedade arbitrária , podemos inferir - se provámos a propriedade para um termo, provámos que existe pelo menos um termo para a qual esta se aplica.
Eliminação do quantificador existencial
Abreviada por , é, porventura, a mais complicada das quatro regras introduzidas. Temos, a partir de , que existe pelo menos uma entidade que satisfaz a propriedade - só não sabemos qual. Como não sabemos nada sobre essa entidade, nada podemos afirmar sobre ela, para além de . Na prova, o objetivo será criar um "contexto" em que surge uma entidade nunca mencionada anteriormente; se dentro desse contexto formos capazes de derivar uma fbf , que não menciona , então verificar-se-á independentemente de .
A prova de passa por algo deste género: